domingo, 13 de dezembro de 2015

Mauro Bergonzi - O poço sem fundo por trás da palavra Consciência



A primeira vez que um indício desta vitalidade apareceu na história da minha vida, foi em 1981, quando tive o privilégio de estar uns dias com Nisargadatta Maharaj. Seis ou sete meses antes da sua morte. Ele tinha ainda muita energia, mas por causa do câncer na garganta, usava poucas palavras, não dava muitas explicações. Dizia apenas frases muito diretas, apontando diretamente para o Absoluto.

E eu recordo o primeiro dia, sentado naquela pequena sala, com não mais de 15, 20 pessoas, decidi sentar-me em silêncio, ouvindo apenas o que estava acontecendo, mas Nisargadatta que, naqueles dias gostava de ficar de pé em vez de sentar-se, veio pôr-se à minha frente, e perguntou-me diretamente, ‘Tens alguma prática espiritual? E que fazes tu?’

Naquela altura praticava maioritariamente meditação, 9 ou 10 anos, mas com alguns ensinamentos Zen e Dzochen, e por aí afora. Então, tentei descrever a minha prática dizendo: Eu olho para as coisas e deixo-as partir. E Nisargadatta disse: ‘E quando se deixa tudo partir, o que permanece?’

Eu sabia a resposta porque na minha prática Vipassana estava acostumado a compreender que todos os processos físicos e mentais simplesmente aparecem e desaparecem e que portanto não eram realmente eu. Eu sou a testemunha, eu sou Consciência. Isso era para mim, naquela altura, a conclusão da minha identidade. Então eu disse que tudo aparece e desaparece no campo da Consciência. Quando se deixa partir tudo, o que permanece é a própria Consciência.

Mas nesse momento Nisargadatta fez-me uma pergunta que eu nunca pensei ser possível: ‘E quando se deixa partir até a Consciência, o que permanece?’

Obviamente que eu não tinha resposta. Fiquei muito surpreso com esta pergunta e assim disse: Não sei! Naquele momento ele estava olhando diretamente para os meus olhos, com aqueles olhos cheios de fogo, de paixão pela Verdade, e disse: ‘Sim, não sabes. Aí está o Absoluto, onde tu não sabes.’

E algo muito estranho aconteceu-me, porque senti subitamente ser puxado para trás, por trás da Consciência, caindo num poço sem fundo do desconhecido. E foi uma experiência maravilhosa e aterradora porque o conjunto do meu corpo / mente agarrou-se à superfície. Foi estranho porque, nos dias seguintes em Bombaim, volta e meia, no dia a dia, sentado no táxi ou bebendo um chá, acontecia novamente este cair no desconhecido e este agarrar à superfície. Eu senti que era uma experiência muito importante naquela altura.

No último dia, Nisargadatta disse-me: ‘Não te percas nos ramos incontáveis das perguntas inúteis da tua mente, vai diretamente à raiz, vai à fonte.’ E depois disse: ‘Atiro-te para lá.’ E depois disse: ‘Melhor ainda, enterro-te lá.’ – Muito estranho. ‘E fica imóvel lá até que o buscador morra. Depois encontras-te além, no desconhecido.’

Eu compreendi as palavras dele, mas não captei o seu significado profundo durante muito tempo. E porquê? Porque a minha mente naquele tempo já tinha começado a construir uma interpretação para o que tinha acontecido. E tinha interpretado assim: Nisargadatta apontou-me o caminho para a Libertação, que na altura era para mim uma meta a alcançar. Então, seria cair naquele poço sem fundo, mas o meu ego é demasiado forte e tenta alcançar a superfície. Dessa forma, tenho de fazer cada vez mais meditação para derreter o meu ego. E assim fiz meditação por mais 15 anos. Sou de compreensão lenta, mas quando compreendo, compreendo bem.

E assim não captei a essência do que ele me disse no último dia - Até que o buscador morra.’ Porque continuei procurando com a ideia de que o ‘eu’ está separado da Libertação. A Libertação está acolá, em outro lugar e o ‘eu’ tem de fazer um caminho, no tempo, para se aproximar e alcançar a Libertação. Isto é a essência da dualidade, porque se a Libertação é a verdadeira realidade, então está aqui. Se vires, Deus está em toda a parte, então tem de estar aqui. Se procuras pelo Todo, se há sequer um Todo tem de englobar nós e aqui, de contrário não é o Todo. É o Todo mas sem nós. Se procuras pelo teu verdadeiro ser, só pode estar onde estás.

Então, esse é o papel do buscador, e até que o buscador desapareça, o teatro continua. E quando o buscador desaparece, não é porque O encontramos. É como procurarmos na escuridão com uma lanterna. E podes dizer, desligo a luz só quando encontrar a escuridão. Mas para nossa sorte, cedo ou tarde, acabam-se as pilhas. E quando isso acontece, aí está a escuridão.

Para concluir, podes ver aqui o que for, chamar-lhe o que for, enquanto objetos. Sentes a tua respiração, sentes o teu coração, ouves a minha voz, e vês todas estas cores, e por que o fazes, se precisas apenas dar um passinho atrás. Podes sentir o espaço sensível da Consciência onde tudo aparece. É algo de muito concreto para mim. É a Luz que faz com que apareçam todas essas coisas. E não é sequer necessário dar um passo atrás, se deixares simplesmente acontecer este cair no poço sem fundo. Eu penso que o verdadeiro significado do fim da busca, do ponto de vista da Presença que nós somos, é completamente irrelevante se cais livremente no fundo do poço do desconhecido, ou se tentas agarrar-te à superfície. Porque quando estás em queda livre no desconhecido, é Presença aparecendo como queda livre, e quando estás tentando agarrar-te à superfície, é Presença aparecendo como tentando agarrar-se à superfície.

Para concluir, uma vez que falei de Nisargadatta, há algumas frases dele muito inspiradoras: ‘Eu não nego o mundo, vejo-o aparecendo na Consciência, que é a totalidade do conhecido na imensidão do desconhecido.’ É tudo!