A primeira vez
que um indício desta vitalidade apareceu na história da minha vida, foi em
1981, quando tive o privilégio de estar uns dias com Nisargadatta Maharaj. Seis ou sete meses antes da sua morte. Ele tinha ainda muita energia, mas por
causa do câncer na garganta, usava poucas palavras, não dava muitas
explicações. Dizia apenas frases muito diretas, apontando diretamente para o
Absoluto.
E eu recordo o
primeiro dia, sentado naquela pequena sala, com não mais de 15, 20 pessoas,
decidi sentar-me em silêncio, ouvindo apenas o que estava acontecendo, mas
Nisargadatta que, naqueles dias gostava de ficar de pé em vez de sentar-se,
veio pôr-se à minha frente, e perguntou-me diretamente, ‘Tens alguma prática
espiritual? E que fazes tu?’
Naquela altura
praticava maioritariamente meditação, 9 ou 10 anos, mas com alguns ensinamentos Zen
e Dzochen, e por aí afora. Então, tentei descrever a minha prática dizendo: Eu
olho para as coisas e deixo-as partir. E Nisargadatta disse: ‘E quando se deixa
tudo partir, o que permanece?’
Eu sabia a
resposta porque na minha prática Vipassana estava acostumado a compreender que
todos os processos físicos e mentais simplesmente aparecem e desaparecem e que
portanto não eram realmente eu. Eu sou a testemunha, eu sou Consciência. Isso
era para mim, naquela altura, a conclusão da minha identidade. Então eu disse
que tudo aparece e desaparece no campo da Consciência. Quando se deixa partir
tudo, o que permanece é a própria Consciência.
Mas nesse
momento Nisargadatta fez-me uma pergunta que eu nunca pensei ser possível: ‘E quando se deixa partir até a Consciência, o que
permanece?’
Obviamente que eu não tinha resposta. Fiquei muito surpreso com esta pergunta e assim disse: Não
sei! Naquele momento ele estava olhando diretamente para os meus olhos, com
aqueles olhos cheios de fogo, de paixão pela Verdade, e disse: ‘Sim, não
sabes. Aí está o Absoluto, onde tu não sabes.’
E algo muito
estranho aconteceu-me, porque senti subitamente ser puxado para trás, por trás
da Consciência, caindo num poço sem fundo do desconhecido. E foi uma
experiência maravilhosa e aterradora porque o conjunto do meu corpo / mente
agarrou-se à superfície. Foi estranho porque, nos dias seguintes em Bombaim,
volta e meia, no dia a dia, sentado no táxi ou bebendo um chá, acontecia
novamente este cair no desconhecido e este agarrar à superfície. Eu senti que
era uma experiência muito importante naquela altura.
No último dia,
Nisargadatta disse-me: ‘Não te percas nos ramos incontáveis das perguntas
inúteis da tua mente, vai diretamente à raiz, vai à fonte.’ E depois disse: ‘Atiro-te
para lá.’ E depois disse: ‘Melhor ainda, enterro-te lá.’ – Muito estranho. ‘E
fica imóvel lá até que o buscador morra. Depois encontras-te além, no
desconhecido.’
Eu compreendi
as palavras dele, mas não captei o seu significado profundo durante muito
tempo. E porquê? Porque a minha mente naquele tempo já tinha começado a
construir uma interpretação para o que tinha acontecido. E tinha interpretado assim:
Nisargadatta apontou-me o caminho para a Libertação, que na altura era para mim
uma meta a alcançar. Então, seria cair naquele poço sem fundo, mas o meu ego é
demasiado forte e tenta alcançar a superfície. Dessa forma, tenho de fazer cada
vez mais meditação para derreter o meu ego. E assim fiz meditação por mais 15
anos. Sou de compreensão lenta, mas quando compreendo, compreendo bem.
E assim não
captei a essência do que ele me disse no último dia - ‘Até que o buscador
morra.’ Porque continuei procurando com a ideia de que o ‘eu’ está separado da Libertação.
A Libertação está acolá, em outro lugar e o ‘eu’ tem de fazer um caminho, no
tempo, para se aproximar e alcançar a Libertação. Isto é a essência da
dualidade, porque se a Libertação é a verdadeira realidade, então está aqui. Se
vires, Deus está em toda a parte, então tem de estar aqui. Se procuras pelo
Todo, se há sequer um Todo tem de englobar nós e aqui, de contrário não é o
Todo. É o Todo mas sem nós. Se procuras pelo teu verdadeiro ser, só pode estar
onde estás.
Então, esse é o
papel do buscador, e até que o buscador desapareça, o teatro continua. E quando
o buscador desaparece, não é porque O encontramos. É como procurarmos na
escuridão com uma lanterna. E podes dizer, desligo a luz só quando encontrar a
escuridão. Mas para nossa sorte, cedo ou tarde, acabam-se as
pilhas. E quando isso acontece, aí está a escuridão.
Para concluir,
podes ver aqui o que for, chamar-lhe o que for, enquanto objetos. Sentes a tua
respiração, sentes o teu coração, ouves a minha voz, e vês todas estas cores, e
por que o fazes, se precisas apenas dar um passinho atrás. Podes sentir o
espaço sensível da Consciência onde tudo aparece. É algo de muito concreto para
mim. É a Luz que faz com que apareçam todas essas coisas. E não é sequer necessário dar um passo atrás, se deixares simplesmente acontecer este
cair no poço sem fundo. Eu penso que o verdadeiro significado do fim da busca,
do ponto de vista da Presença que nós somos, é completamente irrelevante se cais
livremente no fundo do poço do desconhecido, ou se tentas agarrar-te à superfície.
Porque quando estás em queda livre no desconhecido, é Presença aparecendo como
queda livre, e quando estás tentando agarrar-te à superfície, é Presença
aparecendo como tentando agarrar-se à superfície.
Para concluir,
uma vez que falei de Nisargadatta, há algumas frases dele muito inspiradoras: ‘Eu
não nego o mundo, vejo-o aparecendo na Consciência, que é a totalidade do
conhecido na imensidão do desconhecido.’ É tudo!